30.12.04

Ventania

Ouço o vento que assobia ao passar pela fresta da porta de entrada do escritório. Como me sinto bem ao ouvir esse som ... Num segundo, a UPS que está ligada ao computador apita uma, duas, três vezes ... Desde pequena que gosto do vento, principalmente daquele que sopra antes de uma tempestade. Imaginava que podia controlá-lo e que ele falava comigo. Sentia-me tão bem nos dias de ventania que ia de próposito à varanda de casa só para o sentir no rosto. Aquela varanda entrou muitas vezes nos meus sonhos. Quando sonhava que estava a ser perseguida, era por ali que eu fugia. Subia no alpendre e voava. Cheguei a atravessar oceanos, a fugir dos meus perseguidores. Ainda hoje, quando ando na auto-estrada (não se preocupem, eu detesto conduzir, principalmente em auto-estradas!), abro a janela do carro e deixo que o vento bata com toda a sua força no meu rosto.
O vento pode trazer destruição (e que destruição!), mas nas minhas memórias ele fará sempre parte das melhores recordações da infância.

28.12.04

Tsunami

E pensar que houve civilizações inteiras que desapareceram por causa de um tsunami ... Acho que é um pesadelo que todos nós já tivemos um dia: uma onda gigante a surgir de repente e nós a afogarmo-nos nela. Houve uma altura da minha vida em que este pesadelo era quase diário. E isto havia de acontecer precisamente na época de Natal ... Civilizações inteiras que desapareceram perante a fúria da Natureza ...
Para quem interessar, encontrei este blog de ajuda às vítimas do maremoto na Ásia:
http://tsunamihelp.blogspot.com

3.12.04

Pedro de R.


André Gonçalves - "Assunção de N.Senhora"


O tempo corria lentamente naqueles finais de século XVII. Pedro crescera em estatura, mas também em conhecimento, graças às lições que tivera de um tio padre. Aprendera a ler a Bíblia com ele, e adquirira uma caligrafia invejável, tendo em conta que não iria dedicar a sua vida aos pergaminhos. Entretanto, Isabel, sua mãe, enviuvara novamente, situação algo incomum para a época, dado que, normalmente, eram os maridos que sobreviviam às esposas, que frequentemente morriam vítimas de partos difíceis. Como pragmática e calculista que era, Isabel tratou logo de arranjar novo casamento. Não podia dar-se ao luxo de depender da benevolência do seu filho Pedro, então com quinze anos de idade, único herdeiro legítimo daquela fazenda. Durante todos aqueles anos, vivera com João Gonçalves e os filhos naquela propriedade, gerindo-a até que Pedro atingisse a maioridade. Sabia que Pedro sofrera com a morte do seu padrasto, pois João Gonçalves sempre o tratara como se fosse o seu próprio filho. Mas sabia também que mais cedo ou mais tarde, Pedro iria casar-se e então o que seria dela naquela casa? Por isso, tratou logo de arranjar casamento com Domingos Francisco, que também enviuvara recentemente. Naquele tempo, as mulheres pouco mais podiam fazer do que tentar arranjar casamentos convenientes, de forma a não ficarem tão dependentes dos filhos.
Seria a última vez que teria de recorrer a tal estratagema. Mal Pedro atingia a maioridade e a sua mãe morria. Estávamos em 1691. A partir de agora ele seria o único herdeiro de toda aquela grande propriedade.