28.9.05



Acabara de entrar num templo. Era, sem dúvida, um Templo Grego, com colunas e estátuas de ambos os lados do corredor, que ia percorrendo lentamente. Estava meio escuro, já era noite, muito provavelmente. Havia uma sensação de insegurança no ar. Foi então que olhou para cima e desviou-se ligeiramente. Aquele gesto fora suficiente para vislumbrar a pessoa que acabara de se esconder por detrás de uma estátua. Entre duas colunas, restara um espaço vazio. Era o da estátua que acabara de cair mesmo ao lado dela e que, por pouco, não a atingira.

22.9.05


Monet - Gare St. Lazare

Fade to Grey / Devenions gris

One man on a lonely platform
One case sitting by his side
Two eyes staring cold and silent
Show fear as he turns to hide
We fade to grey
We fade to grey

Un homme dans une gare isolée
Une valise à ses côtés
Deux yeux fixes et froids
Montrent de la peur lorsqu'il se tourne pour se cacher

Sens la pluie comme un été anglais
Entends les notes d'une chanson lointaine
Sortant de derrière un poster
Espérant que la vie ne fût si longue

Feel the rain like an English summer
Hear the notes from a distant song
Stepping out from a back drop poster
Wishing life wouldn't be so long

We fade to grey
We fade to grey

Visage - We fade to grey

14.9.05

O Neo-Feudalismo



Por vezes, ponho-me a pensar porque é que a Fraternidade e a generalidade dos intelectuais portugueses e estrangeiros chamam a este sistema económico de "Neo-liberalismo". Pois, para mim, o actual estado das coisas assemelha-se muito mais ao feudalismo medieval, com a única diferença de que não estamos perante um sistema de meia dúzia de senhores feudais que controlam 80 ou 90% das terras cultiváveis do país - que, por sua vez, são trabalhadas pelos seus servos (os escravos da época) - mas sim, um sistema de grandes corporações e multinacionais que esmagam as pequenas empresas com uma concorrência desleal (eles dizem que é leal) e onde a maioria das pessoas mendiga por um emprego. Sinceramente, isto para mim, não é neo-liberalismo, é neo-feudalismo.

Ontem, ouvi no Telejornal que o governo de Sócrates aprovou a construção de mais 160 super e hipermercados no país. Trata-se de mais uma medida que visa destruir o pequeno comércio, à volta do qual gravitam outras tantas pequenas empresas como a minha. É certo que tal medida não me vai prejudicar mais do que eu já fui até agora, porque estou certa que os 160 super/hipermercados serão construídos no interior do país. Não é de agora que isto acontece. Entra governo, sai governo, seja PSD ou PS, as medidas são sempre, rigorosamente, iguais. Desde o maldito dia em que decidi entrar de sócia numa pequena empresa e investir o pouco que tinha na Parvónia, que só me lembro de medidas prejudiciais às Pme's. E, francamente, estou cansada de imaginar maneiras de contornar a crise. Há alguns anos atrás pensei que se investisse na produção de software poderia fazer face à concorrência das grandes superfícies na área do hardware. Ledo engano. Passados uns anos, até software já vendiam nos hipermercados. Depois, pensei em especializar-me em nichos de mercado. Criar software específico. Mal qual o quê!! As empresas estão a fechar às catadupas!!! Neste país de funcionários públicos, restaurantes e cafés só tem direito à sobrevivência quem pertencer às "boas famílias" ...

Há tempos fomos contactados por um chinês. Queria comprar software porque ainda não tinha facturação na empresa, que já estava aberta há bastante tempo (os chineses até agora tinham isenção de impostos até 5 anos!). Ah, ah, ah ... apetece-me rir ... Chinês só compra de chinês. Até na informática ...

Este final de mês, mais uma pessoa vai engrossar as filas do desemprego. Não posso continuar a pagar-lhe um salário. Tenho de cortar ao máximo nas despesas. Tenho que fazer o pagamento por conta no final do mês. Eu própria já só recebo o suficiente para pagar as despesas de casa. Não faço poupanças, não tenho planos para o futuro. Enquanto eu puder me endividar para pagar as despesas, fá-lo-ei. E, se no futuro, isto der para o torto, quero que saibam que NÃO PENSO EM EMIGRAR. Fico por cá, mesmo que esteja na sarjeta. E, se Deus quiser (ou o Diabo, que está mais em voga actualmente), muitos mais hão-de fazer como eu. Um dia, a classe governante há de pagar pelos seus erros e irresponsabilidades.

7.9.05

Mariana


Morte da Virgem - Mestres de Ferreirim

"In a sea of faces, in a sea of doubt
In this cruel place your voice above the maelstrom
In the wake of this ship of fools I'm falling further down
If you can see me, Marian, reach out and take me home.....

I hear you calling Marian
Across the water, across the wave
I hear you calling Marian
Can you hear me calling you to
Save me, save me, save me from the
Grave..."

Sisters of Mercy - Marian

1737. Com sessenta e seis anos, a morte aproximava-se cada vez mais à medida que os dias passavam. Mesmo assim, Pedro sentia-se com vigor suficiente para durar ainda muitos anos, tinha sobrevivido a várias epidemias, não era uma doença qualquer que o punha de cama. Porém, o mesmo já não podia dizer dos filhos. Com alguma frequência vinham as febres e lá ficavam acamados. É certo que podia considerar-se um felizardo, a vida lhe tinha sido generosa. À parte o bebé que morrera alguns dias depois do nascimento, não perdera nenhum dos dez filhos que tivera. De facto, alguns já estavam mesmo casados e aproximava-se a hora de decidir quem lhe iria suceder na casa. Pensava em João. Embora não fosse o mais velho deles todos, com dezassete anos, João assumia, em muitas ocasiões, as responsabilidades da casa paterna quando necessário, e não foram poucas as vezes em que tinha sido convidado para padrinho ali na freguesia. Sim, João lhe iria suceder na casa, isso era mais do que evidente, mas quanto a Leonarda, o futuro parecia muito incerto. Não sabia o que fazer com a rapariga. Ela tornara-se uma preocupação constante. Com vinte e sete anos, não lhe conseguia arranjar casamento. Interrogava-se por quê. Não teria beleza? Não, não era bem isso. Toda a gente sabia que Leonarda não era normal . Todos a achavam um tanto ou quanto estranha, calada demais, pensativa, absorta, ausente deste mundo ... E as pessoas não viam isso com bons olhos.

E foi então que, naquele final de ano, Deus resolveu pôr-lhe à prova. Mariana, a sua filha mais nova, de quinze anos, adoecera com uma doença desconhecida. Tinha febres altas e por vezes parecia não reconhecer as pessoas. Entrava em delírios e dizia coisas sem nexo. Instalaram-na na sala onde costumavam receber as visitas, perto das duas janelas viradas para o fontanário. Talvez fosse melhor para a rapariga estar ali sozinha, sem ser incomodada. Puseram no local ervas de cheiro a arder para purificar o ar. Dizia-se que essas coisas transmitiam-se pelo ar impuro. Mas de nada adiantou. A menina parecia piorar a cada dia que passava. Pedro sabia que, por vezes, os navios que vinham de fora traziam doenças quando atracavam nos portos. Talvez, numa das idas a Vila do Conde, a rapariga tivesse apanhado algo ruim. Mandaram chamar o padre. Precisavam de preparar a alma da menina antes do momento final. Seria impensável a rapariga morrer sem receber a extrema-unção.

Era noite quando o padre chegou, tarde demais para fazer o ritual. Os familiares informaram-no de que a menina tinha morrido de repente, já não dava sinais de vida. O padre limitou-se a acenar com a cabeça e a dar-lhe apenas a absolvição subconditione. A mãe, tristemente pensava: "Não recebeu a extrema-unção". Prepararam-lhe o funeral. Pedro chorava a morte prematura da filha mais nova. Tão jovem e tão sensível, aos sessenta e seis anos, era cruel ver a filha morrer desta forma. Enterraram-na dentro da igreja, junto ao altar de São Miguel. Não lhes passava pela cabeça que a rapariga não tinha morrido, mas apenas adormecera profundamente ...

2.9.05

Katrina

Estou impressionada com as imagens de destruição em Nova Orleães. Não era suposto uma coisa dessas acontecer nos Estados Unidos. Mas aconteceu, o que prova que a Natureza não escolhe as suas vítimas. Há algum tempo atrás, assisti a um documentário sobre tufões no território americano, sobre a existência de uma espécie de corredor onde esse tipo de fenómenos seriam frequentes. E nesse documentário alertavam para o facto de, se houvesse um tufão de escala 5, cidades como Chicago (se bem me lembro essa cidade estaria no tal corredor), não teriam qualquer hipótese de evacuação. Isto vi há cerca de três ou quatro meses no canal 2 e agora, para meu espanto, o sinistro aviso veio a concretizar-se. Esqueceram-se de que a Natureza não trabalha em décadas, mas em centenas e milhares de anos. E se deixaram que se continuasse a construir em cidades onde a ciência já demonstrou que não são seguras, pergunto-me se não terá sido tudo por culpa do vil metal ...

Mas o que me deixou ainda mais impressionada foi aquela cena de Bill Clinton à direita de Bush pai e filho. Nunca imaginei que fossem buscar o antigo presidente americano nesta hora difícil. Estariam em busca de apoio moral? Atentei na expressão de Bush pai e pareceu-me que ele não estava apenas preocupado (ah! o petróleo!), mas notei algo mais, seria culpa? Não posso evitar de referir a imagem que me surgiu à cabeça quando vi Bill Clinton ao lado dos dois Bush. Por estranho que pareça, lembrei-me de Santo Agostinho que, de devasso, passou a ser um dos maiores santos da igreja católica. Ora, bem precisa Bush do apoio de alguém que, apesar de tão martirizado pela comunicação social no caso Mónica Lewinski, ainda assim conseguiu manter no coração dos americanos a imagem de um bom presidente. E, estranhamente, ao mesmo tempo que me vinha a imagem do Santo ao olhar para o écran da televisão, uma voz interior dizia-me repetidamente: "Arrependei-vos, arrependei-vos" ...

1.9.05

Bom senso

Eu sei que não devia dizer isto, mas ...

Li algures na internet que cerca de 95% da produção diária de petróleo no Golfo do México está paralizada devido à passagem do furacão Katrina.
É caso para dizer ... qual protocolo de Kioto, qual invasão do Iraque, qual globalização, qual carapuça! No cômputo final, parece que a única força que mantém o bom senso é a força da ... Natureza ...