28.3.06

Morte às moscas!

"Naquele ano, apertando muito o calor, desenvolveu-se extraordinariamente a moscaria. O coronel mobilizou o regimento, e os soldados, munidos uns de seringas, outros de ramalhos, ainda os mais bravos à palmada pura e simples, fizeram guerra de morte aos infamíssimos insectos. E tinha de ser assim, porquanto mosquiteiros, "cemitérios", garrafas de vinagre, eram ineficazes contra o flagelo. Em casa do capitão Napoleão Militão, Pedro da Felícia foi arvorado em táctico-mor destas operações.
- Não quero ver nem uma mosca da porta para dentro - dissera no mesmo tom com que lia uma ordem de serviço o capitão Napoleão Militão. - A dente, à unha, à moca, a tiro, com veneno, pela traição ou de cara, trucida-me nelas. Ouviste? Se não ouviste, eu repito: trinca, mata, afoga, esborracha, esfola, faz às moscas, em suma, o que te ditar a cachimónia, contanto que não voltem a sarabandear por cima da careca cá do velho. Percebeste? Tens carta branca para dares como Santiago nos moiros. Que alguma atravesse no ar destas salas a zumbir, poise, ferre o ferrão ou suje sobre mim, a senhora, os meninos, tu mataste, tu matas, tu matarás logo, se não ...
- Se não quê, meu capitão?
- "Gramas" oito dias de detenção.
Das muitas armas propostas, a que melhor e mais mortífera pareceu ao 27 foi a vassoura de piaçaba que, assentando de chapa sobre as moscas, a reduzia a grude. E assim equipado passava os dias com a bicheza.
Ora, certa tarde, hora de sesta, uma mosca, uma só mosca para cúmulo da desfaçatez, foi voando pela casa dentro, atravessou a sala de espera, meteu-se para a sala de jantar, descobriu maneira de enfiar para o quarto de dormir do capitão Napoleão Militão, que ressonava e tressuava acabrunhado pelo calor, e pelo bacalhau com batatas ao almoço.
Pedro fora-lhe no encalço. E ante o desavergonhadíssimo bicho pespegado na calva veneranda do seu capitão, perdeu as estribeiras. E erguendo a vassoira, pamba! Descarregou-lhe com tal gana que não só a mosca ficou pulverizada mas o dorminhoco despediu um urro que alarmou o regimento, aquartelado dali a mais de duzentos metros, e o fez sair para a parada de armas engatilhadas, supondo que se tratasse de revolução".

Aquilino Ribeiro - O Filho da Felícia ou A Inocência Recompensada

22.3.06

Jardins de Pedra

Estranho eufemismo para designar cemitérios ... Mas confesso que, quando vi o postal pela primeira vez, consegui ler "Jardins de Pedro", e fez sentido na mesma ...

17.3.06

Malhas que o Império tece


Tricked out Youth - Werner Howarth

Na maca ali deitado
No rosto um esgar de dor
Nos braços um coto deixado
- um toco de cada lado –
no corpo os sinais do horror.

Era Ali que se chamava
Um muçulmano qualquer
Pelos pais ele chorava
- e sentido lamentava –
o continuar a viver.

Envolta em manto negro
Junto ao corpo estropiado
A mulher se compadece.
“Foram as bombas” – dizia ao lado
“Malhas que o Império Tece!”

Umas próteses lhe trariam
Para o ombro amputado,
Por um tempo hão-de caber.
(Só a morte não tem cura)
Que o rapaz há-de crescer.

Lá longe feita em pedaços
(Como em pedaços ficara a mãe)
A casa estranha lhe parece
Os olhos tristes e baços
das Malhas que o Império tece.

Mar Submerso

15.3.06

Mon ami Nostradamvs




"Cinq et quarante degrez ciel bruslera,
Feu aprocher de la grand'cité neuue,
Instant grand flamme esparse sautera,
Quand on voudra des Normans faire preuue."

Propheties de Nostradamvs - Centvrie VI .97.


Eu tenho aqui um livro publicado em Portugal em 1994, pelas Edições Europa-América, que comentou as profecias de Nostradamus da seguinte maneira.

"Quarenta e cinco graus o céu queimará,
Fogo aproximado da grande cidade nova,
Instante grande chama esparsa saltará
Quando se quiser dos Normandos fazer prova.

Trata-se evidentemente da exploração de uma bomba atómica sobre uma grande cidade (Hiroxima)."


Bom, sem entrar em grandes detalhes sobre esta quadra, visto que o próprio Canal de História já se deu ao trabalho de a ter estudado, queria apenas realçar que nem o livro em questão nem o Canal de História mencionaram o verso que faz referência aos Normandos. Ora, é aqui que está o busílis da questão! É que Normandia é França ...

Antigas leituras

"Tentando concentrar-se no imediato, Colin fez o chá e levou-o para beber na sala. Foi só então que se lembrou da outra carta e teve que ir à cozinha buscá-la.
Era de Nathaniel Atheling. Colin ficou deprimido quando a abriu, sentindo-se quase certo do que ela diria. O selo da loja estava gravado a ouro brilhante sobre a folha dobrada de pergaminho e, por baixo do selo, liam-se umas poucas palavras na caligrafia antiquada de Atheling.
Colin era convocado para Londres, para participar num encontro da Ordem Interna.
Aquelas reuniões só muito raramente aconteciam; a última ocorrera há mais de vinte anos. As Lojas trabalhavam discreta e independentemente, sem as lutas políticas internas ou as tentativas de criar impérios, características de algumas das Ordens Brancas mais públicas. O facto de o Chefe Visível da Ordem enviar convocatórias daquele tipo, significava que as coisas estavam de facto num estado muito grave. Não havia qualquer dúvida de que deveria partir imediatamente.
Colin agarrou no telefone e começou a discar um número. Dois dias mais tarde já estava em Londres e esquecera completamente a convocatória do director da Faculdade.
Encontraram-se num hotel antiquado e calmo, aninhado numa rua transversal em Picadilly. Tinham vindo de toda a Europa e do Extremo Oriente, aqueles homens e mulheres dispersos pelo Mundo que lhe eram mais próximos do que a sua família de sangue alguma vez o fora. Não vira muitos deles nos últimos vinte e cinco anos e outros, que esperara reencontrar, estavam tristemente ausentes. Havia cerca de vinte pessoas na sala, todos eles Mestres ou Adeptos esotéricos e detentores dos graus mais elevados - Mestre do Templo Interior ou Superior - e Colin sentiu-se perturbardo pelo facto de ser um dos mais novos. O número de membros decrescera lentamente ao longo dos anos. O mundo do após-guerra movia-se com demasiada rapidez - eram poucos aqueles que eram chamados para o Caminho, que exigia anos de estudo e dedicação em troca de recompensas pouco visíveis. Aqueles que procuravam esse tipo de experiência faziam-no mais provavelmente através dos alucinogénios que concediam, pelo menos, uma ilusão de poder. Mas era um poder sem controlo, sem visão e sem sabedoria; um caminho que só conduzia - na maioria das vezes - à confusão e ao desencanto."

O Coração de Avalon

10.3.06

...

Não percebo por que andam os trabalhadores da Portugal Telecom tão preocupados com o futuro dos seus empregos. É que com a facilidade do programa "Empresa na Hora" e os apoios concedidos pelo Estado, qualquer um pode tornar-se um empresário num instantinho e abrir o seu café, restaurante ou, quem sabe, com alguma sorte, uma padaria ou lojinha de roupas, sectores altamente lucrativos, com pouca concorrência e imprescindíveis para o avanço da economia portuguesa ... Aliás, as últimas notícias que ouvi sobre outros eventuais interessados na OPA sobre a Portugal Telecom, alguns dos quais estrangeiros, quase me fazem torcer pelo Belmiro de Azevedo ... quase. O mundo, realmente, dá muitas voltas ...

8.3.06

The Flea

Mulher a apanhar pulgas - Georges de la Tour - c. 1630

MARK but this flea, and mark in this,
How little that which thou deniest me is ;
It suck'd me first, and now sucks thee,
And in this flea our two bloods mingled be.
Thou know'st that this cannot be said
A sin, nor shame, nor loss of maidenhead ;
Yet this enjoys before it woo,
And pamper'd swells with one blood made of two ;
And this, alas ! is more than we would do.

O stay, three lives in one flea spare,
Where we almost, yea, more than married are.
This flea is you and I, and this
Our marriage bed, and marriage temple is.
Though parents grudge, and you, we're met,
And cloister'd in these living walls of jet.
Though use make you apt to kill me,
Let not to that self-murder added be,
And sacrilege, three sins in killing three.

Cruel and sudden, hast thou since
Purpled thy nail in blood of innocence?
Wherein could this flea guilty be,
Except in that drop which it suck'd from thee?
Yet thou triumph'st, and say'st that thou
Find'st not thyself nor me the weaker now.
'Tis true ; then learn how false fears be ;
Just so much honour, when thou yield'st to me,
Will waste, as this flea's death took life from thee.

John Donne
* Poeta Metafísico e Deão da Catedral de São Paulo.

Não sou grande apreciadora de poesia, mas devo confessar que simpatizei com os poetas metafísicos ingleses do século XVII. "The Flea" deve ser um dos mais famosos. É um poema de amor, embora gire à volta de uma pulga. Era típico dos metafísicos juntar ideias aparentemente díspares e dar-lhes um significado lógico, frequentemente acompanhado de um tom irónico e sarcástico. Como esta pulga em cujo corpo "three lives in one flea spare / Where we almost, yea, more than married are" ...

6.3.06

Por terras do Gerês



Nunca tinha ido ao Gerês. Mas há sempre uma primeira vez ...



É claro que, mais do que o rio e as cascatas, o que eu apreciei mesmo foram as casas abandonadas ...



Ou os hotéis ... Apontei a máquina na direcção das janelas, na esperança de poder vislumbrar um espectro. Mas nada ... Por que será que nunca retiram as cortinas dos edifícios abandonados?

1.3.06

Janelas



É verdade que gosto de fotografar janelas, principalmente as que têm um ar antigo, como esta, que encontrei num café no interior da alfândega do Porto.