31.5.06

Suddenly last Summer


Summer Interior - Edward Hopper

It happened one summer
It happened one time
It happened forever
For a short time
A place for a moment
An end to dream
Forever I loved you
Forever it seemed

One summer never ends
One summer never began
It keeps me standing still
It takes all my will
And then suddenly
Last summer

Sometimes I never leave
But sometimes I would
Sometimes I stay too long
Sometimes I would
Sometimes it frightens me
Sometimes it would
Sometimes I'm all alone
And wish that I could

One summer never ends
One summer never begins
It keeps me standing still
It takes all my will
And then suddenly
Last summer
And then suddenly
Last summer


One summer never ends
One summer never begins
It keeps me standing still
It takes all my will
And then suddenly
Last summer
And then suddenly
Last summer
Until suddenly
Last Summer

And then suddenly
Last summer
Until suddenly
Last Summer

The Motels

26.5.06

Pero que las hay, las hay (parte II)


Henry Fuseli - As três bruxas de Macbeth

"Quando o sol raiasse, as bruxas perdiam os poderes, pelo que deveriam regressar a casa antes de nascer o novo dia. Conta-se que, um dia, a altas horas da noite, um homem regressava a casa quando encontrou as bruxas pelo caminho, que correram em sua perseguição. O homem, aflito, fugiu para uma barraca e escondeu-se debaixo dos sacos e alfaias que aí se encontravam.
As bruxas, apercebendo-se que a alvorada não tardava, afadigavam-se em retirar os utensílios com que o homem se tinha protegido. Estavam quase a conseguir o seu intento quando um galo cantou. No céu, divisava-se já os tons claros do alvorecer. Fugindo alvoroçadas, ainda tiveram tempo de ameaçar o pobre homem: "Ah, cão, que se não cantam tão depressa os galos, havíamos de matar-te aqui." (Julio António Borges, ob.cit.)
Para "quebrar o fado" a uma bruxa era preciso que um parente descobrisse o local por onde elas passavam, acompanhadas pelo mafarrico. Descoberto o sítio, desenhava um "sanselimão" no chão e colocava-se dentro dele, empunhando uma corda com um aço na ponta. Quando elas passassem, enlaçava a que era sua parente e puxava-a para junto de si. Como as companheiras e o diabo evitavam aproximar-se daquele símbolo, ela ficava liberta do seu fado.
Ao aproximar-se a hora da morte, a bruxa tinha que legar os seus "novelos" a alguém, deixando-a herdeira dos seus malefícios. Clamava em altos brados, esperando que alguém a ouvisse. Se alguma mulher incauta acorresse ao chamamento, a bruxa agarrava-se-lhe às mãos e transferia-lhe os seus poderes. Perto de Santo André, ao chegar à estrada que conduz à capela, há uma via a que o povo chamava o "caminho das bruxas". Contam-se vários casos de pessoas que assistiram a estranhas procissões. Naturalmente que o susto as impediu de descobrir que as bruxas não eram mais do que simples romeiros a cumprirem as suas devoções em volta da capela.
Gomes de Amorim, no seu livro "As duas Fiandeiras", ao falar de Aver-o-Mar, freguesia de onde era natural, fala-nos desta crença popular: "Nada mais pitoresco e alegre do que esta povoação. De todos os lados se avista a fita azulada das águas do Oceano. As casinhas, pela maior parte caiadas e asseadíssimas dão-lhe uma festiva aparência. Não há habitação que não tenha um quintalzinho com horta e simulacro de jardim, onde nunca faltam as rosas, os cravos, o alecrim, os goivos e dois pés de losna ou de arruda, para afugentar as bruxas".

Paisagem Poveira - Julio António Borges

Nota: Sanselimão = Signo de Salomão

23.5.06

Pero que las hay, las hay ...


Quadro de Henry Fuseli


Recebi, há tempos, um livro intitulado "Paisagem Poveira" , de Julio Antonio Borges, do qual retirei este pequeno excerto sobre bruxas poveiras:

"A bruxa era uma mulher poderosa. Vagueando pelos lugares escuros e desertos, praticava o mal. O Pe. Manuel Amorim refere: "havia em Navais uma pedra Redonda, idêntica a outra que havia em Terroso e para onde, segundo a lenda, as bruxas levavam os rapazes, apanhados a desoras nas cruzes dos caminhos, para essa pedra e aí os perdiam".
Franquelim Neiva Soares escreveu: "Fonte do Crasto em Navais (...) esta fonte deu de beber à povoação durante muitos séculos e lá se provia o abade com a água necessária ao culto divino. O povo atribuía-lhe virtudes mágicas e as bruxas iam lá pentear-se".
Na classe piscatória, as bruxas eram encaradas como umas pobres velhinhas. Em forma de vento, percorriam grandes distâncias para cumprirem a triste sina. Quando algum mal os "tolhia", recorriam às bruxas de outras localidades, na mira de obterem cura para a sua doença. A bruxa iniciava as suas actividades como feiticeira, ascendendo de categoria depois de ter feito um pacto com o diabo, prometendo espalhar o mal pelo mundo. Eram-lhe concedidos alguns poderes sobrenaturais e distribuído um pandeiro e um novelo de pêlo de bode.
Dizia-se que as bruxas deviam a sua condição ao facto de, no baptismo, os padrinhos não terem rezado correctamente o Credo. À semelhança dos lobisomens, tinham o poder de se transformarem em animais, reunindo-se à noite, em certas encruzilhadas, dançando à volta de uma fogueira. Os rios e silvados eram outros locais preferidos por elas para os seus encontros. Quando queriam chamar o demónio, dirigiam-se a uma encruzilhada e, batendo palmas, chamavam por ele três vezes.

As pessoas evitavam passar nos cruzamentos, a horas mortas da noite, porque as bruxas podiam aparecer e convidá-las para os seus folguedos. Os homens tinham uma maneira simples de se libertarem dessa tentação, pois bastava-lhes colocar a fralda da camisa de fora para as atormentar. Contorcendo-se à sua volta, suplicavam-lhe que metesse a camisa dentro das calças. As bruxas mais eruditas seguiam as instruções do livro de S. Cipriano para elaborarem os malefícios, deitarem as cartas para adivinharem o futuro ou interferirem na vida das pessoas.
Para descobrir se uma mulher era bruxa, bastava deitar um grão de milho vermelho na pia da água benta. A última mulher que saísse do templo era bruxa. Outra versão diz que a bruxa não conseguia sair do templo enquanto não fosse retirado o grão do milho. Ela procuraria vingar-se daquela que tivera a ousadia de a provocar.
Em 1635, o Visitador registou no "Livro das Visitações" de Navais: "Outrossim admoestarei os seus fregueses que quando se acharem doentes ou indispostos que recorram em primeiro lugar aos sacramentos da Santa Madre Igreja para que com a saúde da alma alcancem juntamente a do corpo e em segundo lugar poderão recorrer aos médicos e cirurgiões, e não a outras pessoas por cujo meio o Diabo trata de as tirar do caminho da salvação".
(...)
Quando um "inocente" morria sem causa aparente, alguém mais entendido nessas coisas, encarregava-se de descobrir se, no corpo da criança, havia algum ponto vermelho que tivesse sido provocado pela ferradela de uma bruxa. Para evitar estas visitas, untavam as fechaduras das portas com azeite ou ferviam as roupas da criança, incluindo a primeira camisa que vestira. Alguns faziam um defumadouro e, percorrendo os cantos da casa, diziam:

Pé com pé
Freio na boca,
Triste com triste,
São Pedro, São Paulo e São João Baptista
Neste caso assista."

(continua)

9.5.06

A despedida


Alan Lee - Farewell on the edge of Mirkwood

Não sei o que me deu naquele dia para não ter chorado como das outras vezes. Talvez fosse da íntima certeza que eu tinha de que ele fora um homem bom e que, por isso, onde quer que se encontrasse, ele estaria bem. Não sou do tipo que costuma fazer das pessoas mortas umas santas, se há um defeito que carrego comigo desde que me conheço como gente é o de criticar constantemente tudo e todos. Mas ele havia falecido e, apesar de não chorar, também eu sentia uma espécie de vazio no peito. A sua morte tivera o condão de reunir todos os irmãos que se encontravam distantes, uma vez mais. De repente, déramo-nos conta de que as nossas reuniões daqui para a frente iriam ser mais soturnas. Longe tinham ficado os tempos das festas de casamentos e baptizados, onde a morte não marcava presença. Fora ele que encontrara a moeda enterrada no pomar há quase sessenta anos, a moeda transformada em medalha e da qual já ninguém sabia o paradeiro. Um desleixo deixarem perder assim as coisas antigas.
Sê honesta. Não achas estranho aquilo que estás a ver? Nem em sonhos pensaste numa coisa daquelas, pois não? Observa como Deus continua a brincar contigo.
Não liguei aos demónios que tentavam a todo o custo me atormentar com a novidade. Mas eles estavam certos. Aquilo que eu estava a ver só podia ser uma brincadeira ...
Tentei abstrair-me desses pensamentos e só então me lembrei dos livros. Fora o acaso ou a sorte que nos tinham guiado até eles e como não havia mais ninguém com tempo e vocação para as coisas antigas, ele ficara incumbido de os guardar. Mas agora estava morto e mais ninguém parecia querer aquela ocupação. De todos os irmãos, ele fora o único que se preocupara em conservar alguma coisa e se a medalha estava definitivamente perdida, os livros não haveriam de conhecer o mesmo fim. Alguém teria de cuidar deles. Mas quem?

5.5.06

Ritual

3.5.06

O prisioneiro da torre


Ah, é agora, é agora ... Sim, acordou alguém ... Há gente que acorda ... Quando entrar alguém tudo isto acabará ... Até lá, façamos por crer que todo este horror foi um longo sono que fomos dormindo ... É dia já ... Vai acabar tudo ... E de tudo isto fica, minha irmã, que só vós sois feliz, porque acreditais no sonho ... - O Marinheiro - Fernando Pessoa


A notícia apanhara-nos a todos desprevenidos, como é natural quando a tragédia acontece. Não era um homem muito velho, mas ter 65 anos implicava um cuidado prévio que parece não ter havido naquele caso. Não há explicação para o sucedido. A trombose fora fulminante e deixara-o paralisado numa cama. Dois terços das comunicações para o cérebro haviam sido cortadas, mas ele continuava vivo, a piscar constantemente os olhos, a querer comunicar connosco através da única parte do corpo que ainda obedecia ao seu comando. Pela primeira vez na vida, experimentava o inferno de estar consciente e não conseguir mexer os lábios para falar. Não fosse isto suficientemente trágico, ainda tinha de suportar a angústia de ver e ouvir pessoas à sua volta a falar dele como se já estivesse morto.

- Não há mais nada a fazer, sr. doutor? Não podemos contar com um milagre? - perguntara a filha.
- Um milagre não, mas talvez uma surpresa.

Os médicos não acreditavam em milagres, mas como o cérebro ainda era uma incógnita em muitos aspectos, nunca sabiam muito bem com o que contar.

- Podemos, ao menos, transferi-lo para mais perto de casa?
- Para morrer, tanto faz estar aqui como em casa. - ladrara o estúpido do médico.

Não havia mais nada que a medicina pudesse fazer. Ele continuava deitado ali, mudo e paralisado, lutando consigo próprio para conseguir mexer um músculo. Até que, por fim, o cansaço venceu-o naquela luta inglória e ele adormeceu. No dia seguinte, já não abriria os olhos, nem os piscaria desalmadamente. O seu corpo apiedara-se dele e mandara-o para uma viagem ao mundo dos sonhos. Lá, ele poderia voltar a ser livre e escapar ao tormento de ser prisioneiro do próprio corpo. Era uma viagem a um local incerto. Era uma viagem ao coma profundo. Se ao menos conseguíssemos comunicar com ele ...


* Dedicado ao paciente em coma profundo desde 26 de Abril.