
Se havia um local naquela propriedade que as crianças podiam chamar de seu, então esse local era seguramente o Pomar. Havia uma quantidade impressionante de árvores, quase todas muito antigas e carregadas de frutos, fazendo lembrar o Paraíso há muito tempo perdido. Na mente das crianças, as árvores tinham-se transformado em habitações imaginárias, onde cada galho representava uma parte da casa. Havíamos escolhido uma macieira como quartel general das nossas brincadeiras e cada criança tinha direito a um galho só para ela. Ai daquele que se atrevesse a usurpar o pedaço de tronco que lhe tinha sido destinado! Mesmo ao lado do pomar, estava a Eira de Granito, cuja escada de pedra testemunhava as milhares de pessoas que tinham subido aqueles degraus ao longo dos séculos e cujas pisadas o Tempo fizera questão de gravar nas covas profundas da pedra. Naquela eira, os lavradores colocavam os cereais para secar, ao mesmo tempo que guardavam o feno no Coberto. O Coberto era uma construção em granito, de dois andares, com duas grandes janelas no segundo andar, que se abriam para fora. O feno, esse, ficava no primeiro andar. O segundo andar era todo em madeira, ao qual se acedia por uma escada. Aí se guardavam as batatas, alguns produtos para tratamento da lavoura e alfaias agrícolas. Nessa altura, a escada de madeira já se encontrava muito deteriorada e eu evitava de subir por ela, pressentindo já o perigo daquela estrutura. Então, um dia, uma criança subiria por ali e cairia desamparada no chão de pedra, quando o degrau se partisse, e ficaria gravemente ferida.
Como era Verão, havia um monte de feno no Coberto, no qual costumávamos esconder-nos a fim de pregarmos sustos aos desavisados. Os mais audazes enfiavam-se mesmo completamente dentro do feno, tapando os narizes e sustendo a respiração. Nem sempre corria bem, principalmente se calhasse de alguém tossir. E dentro do Coberto, mais uma divisão, um pequeno quarto, com uma janelinha aos quadrados. E dentro do quarto, um tear de madeira, ainda com as linhas, muito antigo, aliás, tudo aqui era antigo ... Notava-se que o tear também já não era usado há muito tempo. Em vez dele, eram as aranhas que, descansadamente, teciam as grandes teias.
Alguém colocara um fio para estender a roupa na eira. Não havia melhor lugar do que aquele para secar roupas no verão. Bruno trouxera consigo um brinquedo de plástico. Era um arco e flecha que ganhara do padrinho e com o qual tentava acertar o fio de pendurar roupa que se estendia pela eira. Como não acertasse uma única vez, desafiou-me para o fazer. Os outros rapazes bem queriam ser eles a tentar a proeza, mas coube-me a mim a honra de tal disputa. Atirei com a flecha e acertei na primeira tentativa. A seguir outra, igualmente com sucesso. O rapaz olhou para mim com espanto e eu, serenamente, disse-lhe: "Sabes, na minha escola, treinamos tiro ao alvo". Assim era eu nesses tempos, sempre a inventar, sempre a imaginar um mundo completamente diferente daquele em que vivia.