Morte da Virgem - Mestres de Ferreirim
"In a sea of faces, in a sea of doubt
In this cruel place your voice above the maelstrom
In the wake of this ship of fools I'm falling further down
If you can see me, Marian, reach out and take me home.....
I hear you calling Marian
Across the water, across the wave
I hear you calling Marian
Can you hear me calling you to
Save me, save me, save me from the
Grave..."
Sisters of Mercy -
Marian1737. Com sessenta e seis anos, a morte aproximava-se cada vez mais à medida que os dias passavam. Mesmo assim, Pedro sentia-se com vigor suficiente para durar ainda muitos anos, tinha sobrevivido a várias epidemias, não era uma doença qualquer que o punha de cama. Porém, o mesmo já não podia dizer dos filhos. Com alguma frequência vinham as febres e lá ficavam acamados. É certo que podia considerar-se um felizardo, a vida lhe tinha sido generosa. À parte o bebé que morrera alguns dias depois do nascimento, não perdera nenhum dos dez filhos que tivera. De facto, alguns já estavam mesmo casados e aproximava-se a hora de decidir quem lhe iria suceder na casa. Pensava em João. Embora não fosse o mais velho deles todos, com dezassete anos, João assumia, em muitas ocasiões, as responsabilidades da casa paterna quando necessário, e não foram poucas as vezes em que tinha sido convidado para padrinho ali na freguesia. Sim, João lhe iria suceder na casa, isso era mais do que evidente, mas quanto a Leonarda, o futuro parecia muito incerto. Não sabia o que fazer com a rapariga. Ela tornara-se uma preocupação constante. Com vinte e sete anos, não lhe conseguia arranjar casamento. Interrogava-se por quê. Não teria beleza? Não, não era bem isso. Toda a gente sabia que Leonarda
não era normal . Todos a achavam um tanto ou quanto estranha, calada demais, pensativa, absorta, ausente deste mundo ... E as pessoas não viam isso com bons olhos.
E foi então que, naquele final de ano, Deus resolveu pôr-lhe à prova. Mariana, a sua filha mais nova, de quinze anos, adoecera com uma doença desconhecida. Tinha febres altas e por vezes parecia não reconhecer as pessoas. Entrava em delírios e dizia coisas sem nexo. Instalaram-na na sala onde costumavam receber as visitas, perto das duas janelas viradas para o fontanário. Talvez fosse melhor para a rapariga estar ali sozinha, sem ser incomodada. Puseram no local ervas de cheiro a arder para purificar o ar. Dizia-se que essas coisas transmitiam-se pelo ar impuro. Mas de nada adiantou. A menina parecia piorar a cada dia que passava. Pedro sabia que, por vezes, os navios que vinham de fora traziam doenças quando atracavam nos portos. Talvez, numa das idas a Vila do Conde, a rapariga tivesse apanhado algo ruim. Mandaram chamar o padre. Precisavam de preparar a alma da menina antes do momento final. Seria impensável a rapariga morrer sem receber a extrema-unção.
Era noite quando o padre chegou, tarde demais para fazer o ritual. Os familiares informaram-no de que a menina tinha morrido de repente, já não dava sinais de vida. O padre limitou-se a acenar com a cabeça e a dar-lhe apenas a absolvição subconditione. A mãe, tristemente pensava: "Não recebeu a extrema-unção". Prepararam-lhe o funeral. Pedro chorava a morte prematura da filha mais nova. Tão jovem e tão sensível, aos sessenta e seis anos, era cruel ver a filha morrer desta forma. Enterraram-na dentro da igreja, junto ao altar de São Miguel. Não lhes passava pela cabeça que a rapariga não tinha morrido, mas apenas adormecera profundamente ...