
Quadro de Henry Fuseli
Recebi, há tempos, um livro intitulado
"Paisagem Poveira" , de Julio Antonio Borges, do qual retirei este pequeno excerto sobre bruxas poveiras:
"A bruxa era uma mulher poderosa. Vagueando pelos lugares escuros e desertos, praticava o mal. O Pe. Manuel Amorim refere: "havia em Navais uma pedra Redonda, idêntica a outra que havia em Terroso e para onde, segundo a lenda, as bruxas levavam os rapazes, apanhados a desoras nas cruzes dos caminhos, para essa pedra e aí os perdiam".
Franquelim Neiva Soares escreveu: "Fonte do Crasto em Navais (...) esta fonte deu de beber à povoação durante muitos séculos e lá se provia o abade com a água necessária ao culto divino. O povo atribuía-lhe virtudes mágicas e as bruxas iam lá pentear-se".
Na classe piscatória, as bruxas eram encaradas como umas pobres velhinhas. Em forma de vento, percorriam grandes distâncias para cumprirem a triste sina. Quando algum mal os "tolhia", recorriam às bruxas de outras localidades, na mira de obterem cura para a sua doença. A bruxa iniciava as suas actividades como feiticeira, ascendendo de categoria depois de ter feito um pacto com o diabo, prometendo espalhar o mal pelo mundo. Eram-lhe concedidos alguns poderes sobrenaturais e distribuído um pandeiro e um novelo de pêlo de bode.
Dizia-se que as bruxas deviam a sua condição ao facto de, no baptismo, os padrinhos não terem rezado correctamente o Credo. À semelhança dos lobisomens, tinham o poder de se transformarem em animais, reunindo-se à noite, em certas encruzilhadas, dançando à volta de uma fogueira. Os rios e silvados eram outros locais preferidos por elas para os seus encontros. Quando queriam chamar o demónio, dirigiam-se a uma encruzilhada e, batendo palmas, chamavam por ele três vezes.
As pessoas evitavam passar nos cruzamentos, a horas mortas da noite, porque as bruxas podiam aparecer e convidá-las para os seus folguedos. Os homens tinham uma maneira simples de se libertarem dessa tentação, pois bastava-lhes colocar a fralda da camisa de fora para as atormentar. Contorcendo-se à sua volta, suplicavam-lhe que metesse a camisa dentro das calças. As bruxas mais eruditas seguiam as instruções do livro de S. Cipriano para elaborarem os malefícios, deitarem as cartas para adivinharem o futuro ou interferirem na vida das pessoas.
Para descobrir se uma mulher era bruxa, bastava deitar um grão de milho vermelho na pia da água benta. A última mulher que saísse do templo era bruxa. Outra versão diz que a bruxa não conseguia sair do templo enquanto não fosse retirado o grão do milho. Ela procuraria vingar-se daquela que tivera a ousadia de a provocar.
Em 1635, o Visitador registou no "Livro das Visitações" de Navais: "Outrossim admoestarei os seus fregueses que quando se acharem doentes ou indispostos que recorram em primeiro lugar aos sacramentos da Santa Madre Igreja para que com a saúde da alma alcancem juntamente a do corpo e em segundo lugar poderão recorrer aos médicos e cirurgiões, e não a outras pessoas por cujo meio o Diabo trata de as tirar do caminho da salvação".
(...)
Quando um "inocente" morria sem causa aparente, alguém mais entendido nessas coisas, encarregava-se de descobrir se, no corpo da criança, havia algum ponto vermelho que tivesse sido provocado pela ferradela de uma bruxa. Para evitar estas visitas, untavam as fechaduras das portas com azeite ou ferviam as roupas da criança, incluindo a primeira camisa que vestira. Alguns faziam um defumadouro e, percorrendo os cantos da casa, diziam:
Pé com pé
Freio na boca,
Triste com triste,
São Pedro, São Paulo e São João Baptista
Neste caso assista."
(continua)